Pensei em me manifestar através do blog logo após ficar sabendo do
terrível 地震・じしん que assolou o nordeste japonês, mas fiquei sem reação.
Até agora não sei o que escrever, não sei como expressar direito o que sinto ao ler notícias relatando que o número de mortos subiu para tal, que milhares ainda continuam desaparecidos e que há um sério risco de contaminação por radiação.
Ainda que seja possível afirmar que o estrago teria sido
infinitamente maior se não fosse pela infra-estrutura do país, não há como não lamentar a
imensurável dor das pessoas que, de repente, perderam o que lhes era mais importante.
Em
janeiro de 1995, quando a região de 神戸・こうべ foi arrasada pelo
阪神大震災・はんしんだいしんさい (nome dado ao terremoto, em referência à região de 阪神), eu morava na província de Hiroshima, bem afastada do epicentro. Mas apesar da distância, lembro exatamente como acordamos
assustados de madrugada, com o barulho dos ふすま (aquelas portas tradicionais, de correr) tremendo. Como foram apenas
alguns segundos, jamais eu poderia imaginar que, algumas horas depois, quando acordasse para ir para a escola, eu me depararia com um completo
caos pela tv.
Nos dias que seguiram, só se falava da estimativa de vítimas fatais, de desabrigados, da dimensão do prejuízo... Mas no meio de tudo isso, uma coisa que me marcou bastante - mesmo sendo apenas uma criança, então - foi a
agilidade com que o governo socorreu a população. Em questão de poucas semanas, todos que haviam perdido suas casas já estavam morando em
residências provisórias fornecidas pela prefeitura.
Não vou nem entrar na velha comparação que sempre teimo em fazer (
"E se fosse aqui no Brasil?"), mas a maneira com que a cidade se reergueu em um espaço de tempo tão curto foi realmente
admirável. É claro que, para tal, foi necessária uma grande quantidade de
verba pública bem administrada, mas eu acredito que só isso
não teria sido suficiente.
Sempre disse que o povo japonês é dono de uma peculiaridade muito honrável: a
capacidade de pensar coletivamente. No post anterior, falei sobre a empresa que oferece atores para ocasiões solenes, mas não cheguei a comentar sobre a segunda metade do podcast, que diz respeito justamente dessa característica que faz
tanta falta aqui no Brasil.
A curiosidade é que, até o ano de 1884, no idioma japonês
não existia a palavra "
individual"):

Apenas quando um documento precisou ser
traduzido é que "criaram" esse termo, unindo dois kanji.
No lugar de 個人, a palavra que mais bem representa o comportamento nipônico é:

A entrevistada pelo repórter da BBC define o conceito de 世間 da seguinte maneira:
"Uma espécie de comunidade que existe entre os indivíduos da sociedade; é próxima a uma sociedade, mas um tipo imaginário de comunidade pela qual ele ou ela tem responsabilidade social"Ligada a isso, existe também:

「
体」é o kanji de "corpo", 「
からだ」, o que faz sentido se pensarmos que a dita "
comunidade imaginária" funciona como um
organismo, composto por vários integrantes com
funções específicas.
A antropóloga entrevistada no podcast comenta que, dentro de uma 世間体, é dado
muito valor à maneira como cada pessoa é vista. Enquanto morei no Japão, pude entender o que é isso na prática: mesmo que você
não conheça pessoalmente os membros da sua comunidade, pode ter certeza que
eles estão lhe observando, e discretamente
cobrando que você siga um determinado padrão de comportamento.
"Mas o que isso tem a ver com o assunto do terremoto?", alguns podem estar se perguntando. Pode não ter relação direta, mas eu penso da seguinte maneira: o que é necessário para conseguir viver harmoniosamente seguindo a filosofia 世間体? Talvez exista mais que uma resposta, mas certamente um dos elementos essenciais é
disciplina,
muita disciplina.
Eu, sinceramente, não sei se a famosa disciplina japonesa é uma
condição ou um
fruto do 世間体, mas podemos afirmar que somente graças a ela, junto com muita determinação, o país conseguiu superar tantas situações
catastróficas até hoje (sendo a principal delas a bomba de Hiroshima, claro).
É certo que vai levar um tempo até que os acontecimentos de 11 de março de 2011 possam ser lembrados com naturalidade (exceto para aqueles que perderam familiares, pois para esses, a vida
nunca mais será a mesma), mas torço para que, mais uma vez, o povo japonês faça bom uso de suas
principais virtudes, e torne esse processo de superação um pouco menos doloroso.