quarta-feira, 23 de março de 2011

Voltando aos posts gramaticais

Lembro que há um bom tempo, alguém perguntou como se usa frases do tipo 『しておきます』, e qual seria a diferença para 『しています』, algo assim.

De fato, nunca abordei isso, mas como nunca é tarde, vamos lá:

『売(う)り切(き)れる前(まえ)に、ビートルズのコンサートのチケットを買(か)っておきます。』

Sim, a frase é hipotética, e deve ter sido usada por pouquíssimas pessoas privilegiadas dos anos 60, mas enfim.

Qual seria a diferença se no lugar de 『買っておきます』 fosse 『買います』?

Bom, uma dica é: esse 『おきます』 deve ser sempre escrito em ひらがな, mas coincidentemente ou não, tem sentido parecido com outro verbo de mesma sonoridade e conjugação, o 『置く・置きます』.

(たと)えば - por exemplo -,

『荷物(にもつ)はどこに置きましょうか?』

"Onde devo deixar os seus pertences?"



Pode ser também colocar em vez de deixar, mas aqui é melhor deixarmos como deixar mesmo.

Pelo seguinte: a tradução da frase inicial seria algo como


"Antes que se esgotem, vou deixar comprado um ingresso para o show dos Beatles"



Outra frase de exemplo:


『明日(あした)までにはバンド名(めい)(かんが)えておくから心配(しんぱい)するな。』

"Até amanhã eu deixo pensado o nome da banda, então não se preocupe!"



Ok? Perdão por não lembrar de quem foi a pergunta, mas se estiver lendo, espero que tenha respondido!

では!

domingo, 20 de março de 2011

Lealdade em momentos catastróficos

Depois da refilmagem de 『ハチ公物語・ハチこうものがたり』 estrelando Richard Gere, intitulada "Sempre ao seu lado", a história do cão Akita mais famoso do oriente ficou ainda mais conhecida.

O vídeo abaixo me fez lembrar o quão leal um cachorro pode ser, tanto em relação ao dono quanto a um amigo:



Eis o que é dito nas legendas amarelas:


『犬(いぬ)が汚れて、多分(たぶん)津波(つなみ)(う)けたんでしょうね。』

"Tem um cachorro sujo, que deve ter sido atingido pela tsunami."


『真(ま)っ黒(くろ)(よご)れています』

"Está sujo, todo preto."


『首輪(くびわ)をつけているから(か)犬ですね』

"Como está de coleira, deve ser um cachorro de casa."


『ちょっとおびえているようです』

"Parece estar um pouco assustado."


『あっ、もう一匹(いっぴき)(し)んでるのかな』

"Ah, será que o outro cachorro está morto?"


『隣(となり)にも犬がいるんですけどね、今(いま)、犬が座(すわ)っているところに』

"Ao lado de onde ele está sentado tem outro cachorro."


『ちょっと動(うご)かないですね』

"Ele não se mexe..."


(な)くなったのかな』

"Será que morreu...?"


(まも)ってるんだよ、アイツ』

"Ele está o defendendo!"


『だから俺(おれ)らのところに来(き)て「(ちか)づくな」と言(い)ってるのかな』

"Será que ele veio até nós para dizer 'Não se aproximem'?"


(み)てられない、コレ』

"Não consigo ficar olhando isso..."


『あっ、動(うご)いてよかった、動いてた』

"Ah, ele se mexeu, que bom!"


『生(い)きててよかった、生きてて』

"Que bom que ele está vivo!"


『だいぶ衰弱(すいじゃく)してるみたいだから早(はや)く助(たす)けに来てほしい』

"Mas ele parece estar bem enfraquecido, por isso seria bom se alguém fosse ajudá-lo."


『あー、起(お)きた起きた』

"Ah, acordou, acordou."


『このすさまじい地震(じしん)をよく無事(ぶじ)でいたなと感(かん)じます』

"Nos faz pensar em como ele saiu ileso desse terrível terremoto."


『このすさまじい地震と津波(つなみ)をよく生き延(の)びたなという感じがします』

"Nos faz pensar como ele conseguiu sobreviver a esse terrível terremoto e tsunami."


『大震災(だいしんさい)を生き延びた生命力(せいめいりょく)

"Uma força vital que sobreviveu a uma catástrofe"


Não sei vocês, mas casos assim me emocionam...

quinta-feira, 17 de março de 2011

Dificuldade para encontrar palavras...

Pensei em me manifestar através do blog logo após ficar sabendo do terrível 地震・じしん que assolou o nordeste japonês, mas fiquei sem reação.

Até agora não sei o que escrever, não sei como expressar direito o que sinto ao ler notícias relatando que o número de mortos subiu para tal, que milhares ainda continuam desaparecidos e que há um sério risco de contaminação por radiação.

Ainda que seja possível afirmar que o estrago teria sido infinitamente maior se não fosse pela infra-estrutura do país, não há como não lamentar a imensurável dor das pessoas que, de repente, perderam o que lhes era mais importante.

Em janeiro de 1995, quando a região de 神戸・こうべ foi arrasada pelo 阪神大震災・はんしんだいしんさい (nome dado ao terremoto, em referência à região de 阪神), eu morava na província de Hiroshima, bem afastada do epicentro. Mas apesar da distância, lembro exatamente como acordamos assustados de madrugada, com o barulho dos ふすま (aquelas portas tradicionais, de correr) tremendo. Como foram apenas alguns segundos, jamais eu poderia imaginar que, algumas horas depois, quando acordasse para ir para a escola, eu me depararia com um completo caos pela tv.

Nos dias que seguiram, só se falava da estimativa de vítimas fatais, de desabrigados, da dimensão do prejuízo... Mas no meio de tudo isso, uma coisa que me marcou bastante - mesmo sendo apenas uma criança, então - foi a agilidade com que o governo socorreu a população. Em questão de poucas semanas, todos que haviam perdido suas casas já estavam morando em residências provisórias fornecidas pela prefeitura.

Não vou nem entrar na velha comparação que sempre teimo em fazer ("E se fosse aqui no Brasil?"), mas a maneira com que a cidade se reergueu em um espaço de tempo tão curto foi realmente admirável. É claro que, para tal, foi necessária uma grande quantidade de verba pública bem administrada, mas eu acredito que só isso não teria sido suficiente.

Sempre disse que o povo japonês é dono de uma peculiaridade muito honrável: a capacidade de pensar coletivamente. No post anterior, falei sobre a empresa que oferece atores para ocasiões solenes, mas não cheguei a comentar sobre a segunda metade do podcast, que diz respeito justamente dessa característica que faz tanta falta aqui no Brasil.

A curiosidade é que, até o ano de 1884, no idioma japonês não existia a palavra "individual"):



Apenas quando um documento precisou ser traduzido é que "criaram" esse termo, unindo dois kanji.

No lugar de 個人, a palavra que mais bem representa o comportamento nipônico é:




A entrevistada pelo repórter da BBC define o conceito de 世間 da seguinte maneira:

"Uma espécie de comunidade que existe entre os indivíduos da sociedade; é próxima a uma sociedade, mas um tipo imaginário de comunidade pela qual ele ou ela tem responsabilidade social"


Ligada a isso, existe também:





」é o kanji de "corpo", 「からだ」, o que faz sentido se pensarmos que a dita "comunidade imaginária" funciona como um organismo, composto por vários integrantes com funções específicas.

A antropóloga entrevistada no podcast comenta que, dentro de uma 世間体, é dado muito valor à maneira como cada pessoa é vista. Enquanto morei no Japão, pude entender o que é isso na prática: mesmo que você não conheça pessoalmente os membros da sua comunidade, pode ter certeza que eles estão lhe observando, e discretamente cobrando que você siga um determinado padrão de comportamento.

"Mas o que isso tem a ver com o assunto do terremoto?", alguns podem estar se perguntando. Pode não ter relação direta, mas eu penso da seguinte maneira: o que é necessário para conseguir viver harmoniosamente seguindo a filosofia 世間体? Talvez exista mais que uma resposta, mas certamente um dos elementos essenciais é disciplina, muita disciplina.

Eu, sinceramente, não sei se a famosa disciplina japonesa é uma condição ou um fruto do 世間体, mas podemos afirmar que somente graças a ela, junto com muita determinação, o país conseguiu superar tantas situações catastróficas até hoje (sendo a principal delas a bomba de Hiroshima, claro).

É certo que vai levar um tempo até que os acontecimentos de 11 de março de 2011 possam ser lembrados com naturalidade (exceto para aqueles que perderam familiares, pois para esses, a vida nunca mais será a mesma), mas torço para que, mais uma vez, o povo japonês faça bom uso de suas principais virtudes, e torne esse processo de superação um pouco menos doloroso.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Só no Japão... Mesmo!

Hoje, durante a volta do trabalho, fui surpreendido por um dos podcasts mais interessantes que já escutei.

Intitulado "A Friend in Need", o curto documentário da BBC relata um tipo de empreendimento tão, mas tão exótico, que me fez sentir mais ainda que o Japão é um país de outra dimensão: recrutamento de atores para casamentos.

Isso, isso mesmo. Basicamente, a "empresa" (logo explico o motivo das aspas) batizada de はげまし隊(たい) - um trocadilho entre 「(はげ)ましたい」, "querer parabenizar" e 「」, de "tropa" - contrata pessoas cuja missão é fingir ser convidado do noivo ou da noiva. Detalhe: sem que o(a) parceiro(a) saiba, se precisar!

O que soa como algo totalmente non-sense não só para nós ocidentais (ok, nós da cultura ocidental) como para a maioria dos países deste planeta - acredito eu -, tem se mostrado uma solução bastante eficaz na terra do Sol nascente; prova disso é a sua demanda que, há quatro anos, não para de crescer.

Ryuichi Ichinokawa, um ex-assalariado padrão (chamado "salary-man"), enxergou uma oportunidade de negócios no meio de uma das peculiaridades mais marcantes de seu país: o orgulho.

Conta que sua primeira cliente estava para se casar, mas a situação "vergonhosa" de seus pais a deixou relutante: eram divorciados. O que já até deixou de ser tabu na nossa sociedade, levou a jovem a tomar uma decisão curiosa: contactou a Hagemashi-tai e pediu que um casal de atores de meia-idade se passasse por seus pais na cerimônia.

Pedido feito, pedido atendido: ninguém descobriu que os "pais" eram, na verdade, dois desconhecidos que haviam memorizado todas as informações pessoais de sua "filha".

A pergunta que não quer calar é: e os pais verdadeiros? Como se sentiram sabendo que foram substituídos por atores, contratados pela própria filha? Ou será que não ficaram sabendo?

Outro caso bastante interessante (ou bizarro, talvez) é de um jovem cujos pais haviam falecido, e temia que isso pudesse interferir no casamento, já que a família da noiva era bastante conservadora. Não hesitou, e solicitou a presença de quase 30 atores, que fizeram papeis de parentes, amigos e até mesmo do seu chefe da empresa onde trabalhava - ou melhor, onde havia trabalhado, pois pouco antes do dia D, havia sido demitido.

Se o orgulho o impediu de contar à futura esposa que seus próprios pais já não eram vivos, o que dirá o status "humilhante" de desempregado? Mas isso não foi problema: desembolsou cerca de ¥400 mil (algo em torno de R$8100), dinheiro que havia recebido como acerto da empresa, para que pudesse oficializar seu matrimônio de cabeça erguida.

O repórter da BBC entrevistou uma das voluntárias desse caso, que atuou como irmã do Sr. Hoshino, o protagonista. Ao ser questionada se não sentia peso na consciência por fazer parte de uma mentira, a moça de 28 anos responde que de fato sente culpa, mas sabe que, no fundo, está ajudando uma pessoa. Ela ainda acrescenta que seu ボランティア精神(せいしん), espírito de voluntária, é que a torna tão boa no que faz, pois o valor monetário que recebe pelo trabalho é bem baixo.

O próprio Sr. Hoshino também diz ter sentido 罪悪感・ざいあくかん - sentimento de culpa -, mas não se arrepende de sua escolha; afinal de contas, até o prefeito da cidade estava entre os convidados; era questão de vida ou morte (talvez literalmente!).

Uma coisa surpreendente é que nem mesmo sua esposa sabia dos falsos pais. "Achei que (ela e meus sogros) fossem ficar bravos e gritar comigo, mas foram compreensivos", conta.

Como vocês se sentiriam na situação dele? E na dela? Conseguem se imaginar cumprimentando seus supostos sogros, e depois descobrir que eram apenas atores assumindo o lugar de pessoas falecidas?

Pois é. No país chamado Japão, onde muitas vezes o orgulho fala mais alto que a razão, casos como o do Sr. Hoshino não são absurdos.

O podcast ainda fala de outras coisas muito interessantes ainda, mas como já ficou longo, vou dividir o post em duas partes. E quem quiser escutá-lo na íntegra, clique aqui.

Ah, peço desculpas pelo longo período sem postagens. Mas ainda vou responder as perguntas pendentes!

では!