quarta-feira, 2 de março de 2011

Só no Japão... Mesmo!

Hoje, durante a volta do trabalho, fui surpreendido por um dos podcasts mais interessantes que já escutei.

Intitulado "A Friend in Need", o curto documentário da BBC relata um tipo de empreendimento tão, mas tão exótico, que me fez sentir mais ainda que o Japão é um país de outra dimensão: recrutamento de atores para casamentos.

Isso, isso mesmo. Basicamente, a "empresa" (logo explico o motivo das aspas) batizada de はげまし隊(たい) - um trocadilho entre 「(はげ)ましたい」, "querer parabenizar" e 「」, de "tropa" - contrata pessoas cuja missão é fingir ser convidado do noivo ou da noiva. Detalhe: sem que o(a) parceiro(a) saiba, se precisar!

O que soa como algo totalmente non-sense não só para nós ocidentais (ok, nós da cultura ocidental) como para a maioria dos países deste planeta - acredito eu -, tem se mostrado uma solução bastante eficaz na terra do Sol nascente; prova disso é a sua demanda que, há quatro anos, não para de crescer.

Ryuichi Ichinokawa, um ex-assalariado padrão (chamado "salary-man"), enxergou uma oportunidade de negócios no meio de uma das peculiaridades mais marcantes de seu país: o orgulho.

Conta que sua primeira cliente estava para se casar, mas a situação "vergonhosa" de seus pais a deixou relutante: eram divorciados. O que já até deixou de ser tabu na nossa sociedade, levou a jovem a tomar uma decisão curiosa: contactou a Hagemashi-tai e pediu que um casal de atores de meia-idade se passasse por seus pais na cerimônia.

Pedido feito, pedido atendido: ninguém descobriu que os "pais" eram, na verdade, dois desconhecidos que haviam memorizado todas as informações pessoais de sua "filha".

A pergunta que não quer calar é: e os pais verdadeiros? Como se sentiram sabendo que foram substituídos por atores, contratados pela própria filha? Ou será que não ficaram sabendo?

Outro caso bastante interessante (ou bizarro, talvez) é de um jovem cujos pais haviam falecido, e temia que isso pudesse interferir no casamento, já que a família da noiva era bastante conservadora. Não hesitou, e solicitou a presença de quase 30 atores, que fizeram papeis de parentes, amigos e até mesmo do seu chefe da empresa onde trabalhava - ou melhor, onde havia trabalhado, pois pouco antes do dia D, havia sido demitido.

Se o orgulho o impediu de contar à futura esposa que seus próprios pais já não eram vivos, o que dirá o status "humilhante" de desempregado? Mas isso não foi problema: desembolsou cerca de ¥400 mil (algo em torno de R$8100), dinheiro que havia recebido como acerto da empresa, para que pudesse oficializar seu matrimônio de cabeça erguida.

O repórter da BBC entrevistou uma das voluntárias desse caso, que atuou como irmã do Sr. Hoshino, o protagonista. Ao ser questionada se não sentia peso na consciência por fazer parte de uma mentira, a moça de 28 anos responde que de fato sente culpa, mas sabe que, no fundo, está ajudando uma pessoa. Ela ainda acrescenta que seu ボランティア精神(せいしん), espírito de voluntária, é que a torna tão boa no que faz, pois o valor monetário que recebe pelo trabalho é bem baixo.

O próprio Sr. Hoshino também diz ter sentido 罪悪感・ざいあくかん - sentimento de culpa -, mas não se arrepende de sua escolha; afinal de contas, até o prefeito da cidade estava entre os convidados; era questão de vida ou morte (talvez literalmente!).

Uma coisa surpreendente é que nem mesmo sua esposa sabia dos falsos pais. "Achei que (ela e meus sogros) fossem ficar bravos e gritar comigo, mas foram compreensivos", conta.

Como vocês se sentiriam na situação dele? E na dela? Conseguem se imaginar cumprimentando seus supostos sogros, e depois descobrir que eram apenas atores assumindo o lugar de pessoas falecidas?

Pois é. No país chamado Japão, onde muitas vezes o orgulho fala mais alto que a razão, casos como o do Sr. Hoshino não são absurdos.

O podcast ainda fala de outras coisas muito interessantes ainda, mas como já ficou longo, vou dividir o post em duas partes. E quem quiser escutá-lo na íntegra, clique aqui.

Ah, peço desculpas pelo longo período sem postagens. Mas ainda vou responder as perguntas pendentes!

では!

8 comentários:

Thaís disse...

Eu particularmente acho uma pena esse tipo de coisa acontecer. A sociedade japonesa já é tão orgulhosa e infelizmente ver que até os mais novos não se esforçam para mudar essa mentalidade de tanto tempo me deixa bem triste. Adoro a cultura japonesa até mesmo com seus defeitos claro, e acho que esse comportamento é bem presente ainda na maioria das sociedades, colocando as aparências em primeiro lugar, mas acho que seria tão bom isso começar a mudar na vida das pessoas.

Bom... adoro seu blog e acho que você faz um ótimo trabalho!
Obrigada por sempre nos mostrar coisas novas.

Anônimo disse...

Que bizarro!
Mas a mentira deve ter pena curta até no Japão...
adgasdgdasgsdfsd

Aru disse...

É mesmo triste e controverso:
Os pais divorciados não poderiam superar suas diferenças e "mentir" que estão juntos por ter orgulho do filho?
E eu imaginava que os japoneses prezassem mais os seus mortos...
Muito bom o post e obrigado pela resposta! Aparece mais no twitter, quando tiver pouco tempo pra postar:)

leoboiko disse...

No Brasil e nos outros países acontece a mesma coisa. Sabe aquele mercado de “acompanhantes de executivo”? Então, parte dele não são prostitutas e sim moças que fazem de conta que são amigas ou namoradas pra homem de negócios em reunião parecer mais bem de vida. Existem carpideiras profissionais pra contratar se um parente morrer, e eu já tive amigo que tirava troco servindo de platéia ou “transeunte” por aí.

E, claro, tem a porção enorme de gente que paga dinheiro pra ter um amigo pra conversar, normalmente chamando ele de “psicólogo” ou “terapeuta”.

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto, de fácil entendimento. O mesmo não se pode dizer em relação ao fato relatado. Vivendo aqui, a gente acaba até "entendendo", mas aceitar... Meio difícil. Não sei se a cultura que é muito complexa e, assim foi formada essa personalidade incompreensível, ou se é o contrário.
また寄らせてくださいね。

Vanessa Mayumi disse...

Engraçado, pois coincidentemente, esses dias eu vi na tv, um caso de uma mulher casada, cujo pai, não aceitando seu casamento, cortou relações com a mesma. Tempos depois, sua filhinha, agora com 7 anos questionava a mãe sobre seu avo, que todas suas amigas tinham menos ela. A saida de sua mãe foi contratar essa agencia de atores para "induzir" o avo a reatar com a filha, criando situações que o fizessem lembrar e sentir saudades dela e de sua neta. Depois de 3 meses, 5 atores e mais de 1 milhão de ienes (esqueci o valor exato), os dois fizeram as pazes.
Agora, custava ligar para o pai e conversar? Realmente, mesmo sendo casada com japonês e vivendo em tal sociedade, concordo com você de que o Japão as vezes parece pertencer a outra dimensão.

Gi disse...

oii... gostaria de pedir, se não for atrapalhar muito, que você explicasse a diferença de ~てしょうがない、~てたまらない、~でならない、~のあまりに e とても~... porque até onde eu sei, todas essas expressões tem o mesmo significado, certo? Então, quando devo usar cada uma?
ありがとう~ ☆

Junior (Natal-RN) disse...

Ah, não achei nada de mais nisso... Sinceramente, achei uma coisa natural... Aqui tem aquelas mulheres que choram em enterros, por exemplo.
Se eu precisace, eu contrataria alguém pra fingir ser alguém que conheço, principalmente se fosse pra impressionar um chefe de trabalho.
Que mal tem? Quem quer tirar conclusões de alguém pelas pessoas que esse alguém conhece dá nisso...